quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Não sei quantas almas tenho - Fernando Pessoa
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: Fui eu?
Deus sabe, porque o escreveu.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
MAU DESPERTAR - Ferreira Gullar
Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum
Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho riscado
de hematomas
Zonzo lavo na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.
(agosto 1977)
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